revisão crítica e redução para piano [2005]:
Luís Carvalho
“3.e Concerto pour la Clarinette avec Acc.t d’Orchestre ou Quatuor”
Duração aproximada: 24 min. [15+4+5].
Orquestra: 2 fl./2 ob./2 cl./2 fag./2 trpa./2 trpt./1 trbn./timp./cordas
PREFÁCIO
O “Terceiro Concerto” de Canongia é um dos mais longos, sendo apenas ultrapassado, em duração, pelo primeiro. É também o mais difundido dos quatro, e tem mesmo sido executado com alguma frequência a nível escolar, principalmente após a sua inclusão no Concurso para jovens clarinetistas organizado pela Associação Portuguesa do Clarinete (Porto, 2000). Foi também gravado por António Saiote e a Orquestra Clássica do Porto, sob a batuta do maestro Manuel Ivo Cruz, num CD que inclui ainda a obra “Interlúdio da Missa de Arruda” da autoria de um outro português oitocentista, Joaquim Casimiro (1808-1862), e o “Concerto em Sib Maior” do polaco Karol Kurpinski (1785-1857).
Este “Concerto nº3” é, porventura, o mais apelativo dos concertos canongianos, pois é definitivamente o mais inspirado em termos melódicos, e mesmo, a par do primeiro, dos mais equilibrados formamente. A escolha da luminosa tonalidade de Fá Maior para o clarinete (Mib Maior de efeito real), a mesma, nomeadamente, do aclamado “2º concerto op.74” de Weber, confere-lhe uma adequação à técnica clarinetística particularmente eficaz, ao que a opção por longas frases melódicas dá agora amplo ensejo a um cantabile muito característico da ópera italiana, influência que se sente amiúde por toda a obra. Sem dúvida o estilo rossiniano muito em voga à altura no nosso país foi também fonte de inspiração, e quiçá mesmo terá sido esta uma atitude mais pragmática de Canongia em relação aos seus ouvintes, no sentido de uma aproximação ao gosto dos aristocratas frequentadores do Teatro S Carlos, com certeza os principais destinatários das obras deste período.
Concebido igualmente numa forma externa tripartida, comum a todos os quatro, usa Canongia neste “Terceiro Concerto”, e na linha do que acontecera já nos dois anteriores, uma forma binária para o segundo andamento, mantendo precisamente também a opção pelo monotematismo, elaborando portanto todo o material melódico basicamente à volta de um único grupo de ideias musicais, em variação contínua. O andamento inicial, por sua vez, volta, ainda que de forma algo sui generis, à forma allegro-sonata do primeiro concerto. Porém, desenvolvimento e reexposição formam aqui uma amálgama pouco ortodoxa. Na realidade a secção que deveria corresponder ao desenvolvimento (iniciando-se no c.141 com anacruse) apresenta, logo de início, a recapitulação do material temático primário, só que no tom da dominante, Sib Maior[1], seguindo-se-lhe uma espécie de reexposição secundária que apresenta todos os elementos temáticos do segundo grupo de temas sucessivamente, mas em várias tonalidades menores próximas, directas ou indirectas, ao tom principal (sol menor, relativo do tom da dominante, c.157 com anacruse/ dó menor, relativo do tom principal, c.173 com anacruse). Configura-se assim este andamento como uma variante ambígua entre a forma allegro-sonata tradicional e a forma bitemática sem desenvolvimento.
O terceiro e último andamento é antes uma forma rondó, embora também pouco ortodoxa, pois é simplificada em relação ao habitual. Apresenta apenas uma copla (vulgo secção B) opositora ao refrão (secção A), e a sua forma global poder-se-ia esquematizar do seguinte modo: ABAB’A, sendo que A é o primeiro grupo de temas, na tonalidade principal (Mib Maior), B é o segundo grupo de temas, na tonalidade da dominante (Sib Maior), e B’ o equivalente ao desenvolvimento, mas que na realidade se converte antes aqui numa reexposição antecipada do segundo grupo de temas, ainda que na tonalidade menor relativa do tom principal (dó menor, c.117), em parte similarmente ao que acontecia no primeiro andamento (cf. acima). Efectivamente este andamento dever-se-ia antes classificar como uma forma rondó-sonata, mas sem desenvolvimento, porém a escassez de material temático se por um lado unifica a forma, por outro limita a génese do rondó, que é precisamente a de oposição constante entre secções distintas. Canongia não parecia, na verdade, especialmente dado a longos e/ou complexos desenvolvimentos do material musical, nem sequer à sua variante romântica mais expansiva de fazer substituir a secção de desenvolvimento pela apresentação de novo material temático, como acontece nalguns concertos de Spohr, ou até no primeiro andamento (Allegro maestoso) do “Concerto nº1” do próprio Canongia. A filiação mais mediterrânica de José Avelino, bem como a sua longa ocupação como solista do Teatro S. Carlos, fazia-o com certeza inclinar-se mais para um certo lirismo de índole italiana.
[1] Tradicionalmente o primeiro grupo de temas da forma allegro-sonata (ou material temático primário) apenas é apresentado no tom principal (tónica), admitindo-se apenas como excepções os casos em que este é um tom menor podendo então a recapitulação aparecer no seu relativo maior, ou no tom homónimo maior (por exemplo sol menor/Sol Maior).