A única referência biográfica referente a Fr. Jerónimo da Madre de Deus é o Catalogo dos compozitores na Sciencia da Muzica, / e dos instrumentos de Orgão e Cravo da Ordem de S. / Paulo, compilado em 1737. Pode ser deduzido, da informação contida neste documento, que o compositor nasceu entre 1714 e 1715, tendo ingressado na ordem religiosa de São Paulo pela idade de dezassete anos. A última evidência documental conhecida é o autógrafo da sua Antyphona a 4 para coro e baixo contínuo, que ostenta a data de 1768.
A sua única obra conhecida para órgão sobreviveu numa só cópia: o manuscrito CLI/1-4 nº 7 da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, cuja folha de rosto ostenta o título «Verssos / Sobre o Canto Chão / Para Orgão / de Fr. Jeronimo da M.dre de Ds.». Esta colecção de vinte versos constitui a obra portuguesa para órgão solo da primeira metade do século XVIII de maior extensão, conhecida até hoje.
O idioma teclístico de Frei Jerónimo da Madre de Deus, com muitas características da técnica cravística italiana, parece distanciar-se claramente da tradição portuguesa do século anterior. Os Versos de 5º tom apresentam uma variedade de processos composicionais, como o contraponto imitativo, a melodia acompanhada, o cromatismo ou mesmo o uso de um cantus firmus com o quinto tom salmódico.
O manuscrito dos Versos não aparenta ter sido obra de um copista profissional e coloca muitos problemas editoriais. Apesar da irregularidade da qualidade da cópia na fonte, optou-se por aproximar o mais possível a edição do manuscrito original. Os valores das notas, indicações de compasso, colocação das hastes e ligação dos colchetes foram mantidos como no original. Todos os acidentes, mesmo aqueles que segundo os critérios actuais de notação são considerados redundantes, foram também mantidos. As correcções ao texto musical são claramente indicadas: as notas surgem em tamanho reduzido, as ligaduras são ponteadas e os acidentes são apresentados entre parêntesis. Todas as restantes correcções editoriais são referidas no comentário crítico.
Nenhum dos Versos apresenta quaisquer indicações de registação e a música não sugere o uso de registos partidos. A escrita idiomática para palhetas horizontais (ou para qualquer registo específico) também não é detectável. Parece, pois, que o instrumento em mente não seria um grande órgão com a típica paleta sonora ibérica, mas sim um instrumento mais pequeno com registos inteiros, mais no estilo de alguns órgãos italianos da época, os quais, importados de Itália ou construídos por organeiros portugueses, foram comuns em Portugal durante o século XVIII. Alguns deles sobreviveram e, juntamente com a música de Fr. Jerónimo da Madre de Deus, permanecem como um testemunho de um período da história portuguesa durante o qual tanto a música para órgão como a organaria sofreram a influência directa de modelos italianos.
João Vaz
CITAR (UCP–Escola das Artes) / Escola Superior de Música de Lisboa