O Concerto para Piano foi escrito por encomenda do CCB, para o festival Dias da Música 2010. Sendo o tema desse ano o Tratado das Paixões da Alma de René Descartes, uma curiosa obra que analisa as emoções humanas de um ponto de vista mecanicista, pensei que um concerto para solista e orquestra – o género orquestral mais dramático por natureza - me permitiria desde logo estabelecer uma conexão com o tema. A escolha do piano como solista deveu-se a vários factores: por um lado, é a formação mais popular entre todas as possíveis; por outro lado, nunca tinha escrito um concerto para piano, e já há algum tempo que desejava compor algo destinado ao António Rosado, grande pianista e amigo, que estreou em Madrid e Lisboa o meu Concerto para Dois Pianos (em 2003 e 2008). O concerto divide-se nos três andamentos habituais rápido-lento-rápido, que permitem explorar várias cambiantes emocionais (e mesmo grandes diferenças de orquestração, como por exemplo a função relevante das percussões, do clarinete baixo e do contrafagote no andamento lento), mesmo se dentro de cada andamento tais cambiantes entre luz e sombra, seriedade e humor, tragédia e comédia, também se encontrem presentes, por vezes em rápida e fugaz alternância. Descartes julgava que as paixões provinham da glândula pineal e que as essências destas paixões eram transportadas por pequenos seres, versão mecânica seiscentista das transmissões eléctricas entre neurónios, e essa ideia é, de certo modo, ilustrada pelo género do concerto, no qual tudo provém da parte solista, que espalha os seus motivos e “paixões” pela orquestra que, ora colabora, ora mede forças com o piano.