A Fantaisie sur Les Huguenots de Meyerber (respeitando a grafia do compositor), para viola e piano, de Alfredo Gazul, é constituída quase na sua totalidade por material musical da partitura original de Meyerbeer, mais especificamente da primeira cena do II Acto da ópera a que se reporta. Para além de uma secção bastante desenvolvida de exploração virtuosística do instrumento, todo o restante material da Fantasia resulta de uma redução instrumental da música original para um efectivo de viola de arco e piano. Este arranjo, todavia, é revelador de um profundo conhecimento das capacidades técnicas e expressivas da viola, já que coloca alguns desafios ao intérprete, utilizando com mestria os recursos idiomáticos do instrumento de forma deveras consistente.
No que diz respeito ao ano de composição, não há ainda certezas que nos permitam datar o seu aparecimento, ou sequer a sua estreia. É, no entanto, provável que Alfredo Gazul a tenha composto no seu período “violetista”, ou seja, após o final da fulgurante carreira internacional de tenor, até pelo domínio da linguagem violetística evidenciado na partitura.
Trata-se, ao que tudo indica, da primeira peça escrita para viola de arco e piano em Portugal, importância de especial relevo se tivermos em conta que muitas décadas haveriam de passar até ao ano de 1945, altura em que a Sonatina de Armando José Fernades inicia um período de profícua produção para este efectivo instrumental, e de verdadeira emancipação da viola de arco no nosso país.
Nota relativa a esta edição em particular
A presente edição baseou-se no único manuscrito conhecido da obra, do punho do próprio Alfredo Gazul, depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, e constituído por partitura e parte cava de viola de arco. Optou-se por respeitar as idiossincrasias de grafia do compositor, quer no que diz respeito ao título da obra, quer no que diz respeito à escrita musical, indicações agógicas, articulação, dinâmicas, etc. Exceptuando os casos de evidente erro, evitou-se alterar qualquer indicação presente na partitura, por forma a que os intérpretes possam tomar decisões fundamentadas a partir do texto original. A título de exemplo, repare-se na forma como a utilização de ligaduras de expressão e pontuações de staccatto não é igual em diversos segmentos musicais de características semelhantes, provavelmente devido a pequenos descuidos na fluência de escrita. Nestes casos, a opção editorial foi sempre a de não forçar uma coerência de articulações, evitando assim alterar o registo escrito de Gazul.
Todas as indicações de dedilhação e arcada presentes na partitura são da responsabilidade do editor, e estão presentes por mera sugestão interpretativa. Alfredo Gazul não deixou qualquer indicação deste tipo, exceptuando as indicações de harmónico nos compassos 43, 44 e 78. Esta ausência de indicações técnicas de interpretação no manuscrito original faz supor que a peça talvez não tenha sido estreada na sua época, pelo menos a partir do documento de que dispomos hoje.
Fica o agradecimento ao investigador Rui Magno Pinto, pela sua preciosa pista acerca da existência deste manuscrito.
João Pedro Delgado