“À memória do meu sótão”
(ou música para harpa, percussão e celesta), op. 120
(celesta, harpa e 6 percussionistas)
Os sotãos das velhas casas costumam desempenhar um papel preponderante nos vasto imaginário das nossas memórias de infância. É lá que encontramos brinquedos que já tinham sido dos nossos pais ou mesmo dos nossos avós. O sotão é uma zona mítica e a sua memória liga-nos àquilo que existe de mais profundo - e também de mais puro, em muitos casos - no nosso subconsciente. Associamos o sotão àqueles tempos em que todos - ou quase todos - eram maiores do que nós e também à doce memória de uma época em que a maioria desses seres enormes nos tratavam com um extremo cuidado e carinho...
Foi talvez pensando nisso que eu liguei dois dos mais frágeis elementos da orquestra - a harpa e a celesta - à “artilharia mais pesada” da percussão: alguns instrumentos que, mal interpretados nas suas imensas e tão generosas potencialidades, se utilizam muitas vezes apenas para fazer barulho...
Na estreia da peça, eu próprio me comovi quando ouvi o cuidado, o verdadeiro carinho, com que os timbales, o bombo, o xilifone, o tantam, os pratos, as tarolas, os sinos, e tudo o mais que constitui a percussão de uma grande orquestra (ou mesmo de uma banda militar) rodearam a harpa e a celesta, deixando que elas se ouvissem, que elas se exprimissem - ou mesmo que elas, de quando em quando, dominassem... Além disso, o sotão também é o sítio onde se encontram, entre outras coisas antigas, aqueles velhos discos que fizeram a alegria dos nossos progenitores e evocam imagens pertencentes a um mundo de referências do passado, mas sempre revividas no presente, graças à incrível elegância, ligeireza e arte de um Fred Astaire, por exemplo...