Escrevendo ao som sobre o qual se escreve.
O destino até parece que às vezes existe. Alguns dedos humanos parecem às vezes tocados por deuses. Tudo parece às vezes irremediavelmente perfeito. O belo é aqui, sem dúvida, a compensação. Como uma imagem parada no tempo consigo ainda ver ao fundo da sala este tocador de tristezas reclinado sobre o seu instrumento. Às primeiras notas tudo ficou suspenso. O ar que me envolvia, refeito em som, colou-se à pele, trespassou a carne, os ossos, invadindo por fim todos os órgãos do meu corpo. Os sentidos deixaram de fazer sentido porque escassos e limitados para poderem absorver o inexplicável fenómeno. Cada nota, respiração, pausa, suspensão, eram indizivelmente perturbadores. Poderá a tristeza ser mais triste que no 1º Andamento desta obra ou a nostalgia mais nostálgica que no 3º Andamento? De certo o serão em muitas das suas composições passadas, presentes e futuras. A Sesta, fragmento inseparável da escrita do autor, está longe de ficar adormecida à sombra de uma qualquer árvore. Essa escrita, aqui silenciosa, viverá não só na estante de um atento coleccionador mas sobretudo aberta nas mãos alheias de alguns privilegiados tocadores. Joaquim Pavão é um homem irremediavelmente aprisionado à música donde já sem possibilidade de recorrer foi condenado a prisão perpétua. Joaquim, prometemos-te que à hora da visita estaremos sempre lá para te ouvir.
Olga Roriz
20 de Dezembro de 2007