Canções de negro e de sal
Da ligação do escritor Alexandre Pinheiro Torres à Póvoa de Varzim, cidade onde viveu onze anos, ficaram marcas indeléveis, que assomam em diversos e significativos momentos de toda a sua obra. Dela seleccionei três distintos poemas – O meu filho vê o mar, Mar não absoluto e Ilha do Desterro – que exprimem de forma particularmente feliz esse antigo fascínio pelo mar. Estas são, pois, as Canções de negro e de sal.
As palavras do poeta estão no princípio de tudo. Outra coisa não procurei, senão emprestar-lhes outra dimensão, outra visibilidade, outra luz. Espero que, no fim de tudo, as reencontremos intactas, na sua lúcida expressão de uma beleza trágica, feita de uma multiplicidade de olhares: entre imensidão e limites, sonho e desgraça, luta e calmaria, imortalidade e sobrevivência.
Em termos de escrita esta obra é um tanto heterodoxa. Tanto tem a ver com harmonia e contraponto, como com densidade e massa; com células e motivos, como com pontos, linhas e planos. Não recusa o impulso melódico: pressupõe-no. Partindo daí, para cada canção se define um ambiente específico, procurando preservar o espaço genuíno de cada poema. O tratamento orquestral e a recorrência de diversos elementos se encarregam de assegurar a cor geral da peça.
Mas, mais do que explicar a obra, interessa-me, sobretudo, que ela fale por si. Que ela possa tocar mais alguém, mais longe… Sempre me preocupou e ainda hoje me incomoda o continuado divórcio entre a música contemporânea e o público. Não escondo, por isso, alguma intenção pedagógica: sem renunciar àquilo que sou e de que gosto, procuro manter abertas as portas de comunicação – mesmo com aqueles que não lidam todos os dias com a música do nosso tempo. Se essa é uma questão técnica e estética, por isso responde o compositor. Pode ser que, gota a gota, a chuva se faça rio… Quem sabe, se, mesmo, o mar…
Como aquele mar, tão insondável e fascinante, nos poemas de Alexandre Pinheiro Torres.
Porto, 15 de Abril de 2000
Fernando C. Lapa