As obras contempladas na presente edição correspondem a dois conjuntos de Prelúdios que o autor concebeu como tal, os Dez Prelúdios dedicados a José Viana da Mota e os Quatro Prelúdios dedicados a Isabel Manso, e são representativas de fases muito distintas da produção pianística de Freitas Branco. Relegamos, desde já, para uma futura publicação, o Prelúdio a António Arroio (das Três peças), que será reeditado conjuntamente com as duas outras curtas obras para piano que acompanharam a sua edição original, em 1917. Se os Dez Prelúdios dedicados a José Viana da Mota se enquadram no período compreendido entre 1914 e 1918, anos que correspondem ao regresso definitivo de Freitas Branco a Portugal depois das estadias formativas em Berlim e em Paris, os Quatro Prelúdios dedicados a Isabel Manso foram compostos em 1938, numa época em que o compositor dizia estar a «fixar um novo estilo», segundo a entrada do seu Diário datada de 28 de Abril de 1937.
No primeiro caso, e alimentado pelas ideias assimiladas nas duas viagens referidas, Freitas Branco escrevia para piano já não enquanto intérprete em devir (como em obras anteriores a 1911), mas na sua qualidade de compositor ávido de uma reflexão estética ultrapassando o domínio puramente instrumental; essa reflexão redefini-lo-á como criador. O instrumento que havia praticado com afinco na sua infância e adolescência constituirá, ao longo dos anos seguintes, um terreno privilegiado de expressão e um meio através do qual Freitas Branco definirá uma linguagem que tem sido qualificada como “impressionista” mas que, na realidade, revela uma sólida lógica pessoal; não renegando totalmente uma certa filiação tonal, nas primeiras obras dessa fase, notamos uma aura de misticismo nacionalista e um desejo de liberdade formal. O piano ocupava então um lugar central no seu percurso criativo, e as obras desta fase são testemunho da evolução do seu pensamento estético, mais do que da assimilação de modelos externos. Neste processo, Freitas Branco contribuiu significativamente para o desenvolvimento do repertório pianístico português e alimentou os programas dos intérpretes com quem mantinha contacto.
Os Dez prelúdios dedicados a José Viana da Mota, escritos entre 1914 e 1918, como já vimos, testemunham da frutuosa colaboração profissional e artística que se desenvolveu entre o compositor e o grande pianista a quem são dedicados. Essa relação remonta pelo menos a 1909-1910. Efectivamente, Viana da Mota presidiu ao concurso da Sociedade de Música de Câmara que atribui o primeiro prémio à 1ª Sonata para Violino e Piano de Freitas Branco, em Junho de 1909[1]; já no ano seguinte, tiveram a ocasião de privar em Berlim, logo a partir do dia que se seguiu à chegada do jovem compositor à capital alemã, de acordo com a carta que este último dirigiu ao seu pai, a 23 de Fevereiro de 1910[2]. As relações entre ambos estreitaram-se a partir do regresso do notável pianista a Portugal, em Julho de 1917 (Branco, 1987, 204), e particularmente nos dois anos seguintes, durante os quais obraram, em conjunto, numa importante reforma do Conservatório Nacional (Telles, 2008, 207-212).
Segundo João de Freitas Branco, os Dez prelúdios dedicados a José Viana da Mota foram estreados pelo dedicatário em 1918 (Branco, 1975, 26); no entanto, o programa de um “Concerto em benefício da caixa dos alunos pobres do Conservatório [de Lisboa][3]”, realizado a 3 de Junho de 1923[4] no Salão Nobre da referida instituição, refere a primeira execução pública, por Viana da Mota, de três prelúdios de Luís de Freitas Branco; essa informação é corroborada pela imprensa da época, nomeadamente os jornais O Século e Diário de Notícias. Diz o primeiro: “[...] o glorioso artista que superiormente dirige o nosso Conservatório de Música maravilhou os felizes ouvintes com a execução perfeita de “Três Prelúdios” de Luís de Freitas Branco [...]”;
[1] Júlio Neuparth foi, pela mesma ocasião, recompensado pelo seu Quarteto de Cordas.
[2]Branco, L. de F. (23/02/1910). Carta ao Pai. Berlim (JMFB).
[3]A Agenda 1923 de Viana da Mota menciona um concerto no Conservatório, sem no entanto aludir aos três Prelúdios em questão.
[4] Dois dias depois, Freitas Branco publicava um curto ensaio biográfico sobre Viana da Mota na primeira página da revista Eco musical. Cf. (Branco, 1923, 1).