Prefácio
É uma bela partitura, esta.
Escrever para crianças, envolvendo crianças, é uma experiência enriquecedora. Elas não gostam de ser tratadas por tatibitate. A melhor estratégia, tal como a do Carlos Garcia nesta partitura solar, é a de não fazer concessões. Mais a mais, sabendo nós que as crianças têm o gosto natural pelo desafio que uma partitura harmonicamente exigente lhes coloca. É da mais elementar psicologia. Um coro infantil pode mesmo tornar-se num insigne instrumento, seja pela sua precisão rítmica, seja pela sua habilidade de articulação, seja pela sua agilidade melódica.
Poucos aerofones são tão incisivos e tão plenos de luminosidade. Se esta partitura tem como principal destinatário um público mais jovem, por um lado, projecta-se, contudo, num âmbito mais abrangente, no qual o conceito de jovem pode facilmente ser assumido dos sete aos setenta e sete anos.
Os textos escolhidos, para além de expressivos, têm uma musicalidade límpida que o Carlos soube colher com talento, ora num registo saltitante e lampeiro, ora melancólico e introspectivo. O conjunto forma um fresco sugestivo que me colheu desde o princípio. É com poesia desta que a criança adivinha o adulto que há em si. Lê, fecha os olhos e eleva-se na experiência redentora que só a lírica sabe dar. Também é com poesia desta que a criança começa a distinguir o bruto do subtil, sendo, neste particular ponto de vista, uma obra bem pedagógica, pela sensibilização que contém, pelas pistas que sugere.
Finalmente, o piscar de olho que o Carlos faz com alguma frequência ao blues e ao jazz, sensação que atravessa diagonalmente a partitura, faz com que a música assente como uma luva no espírito naturalmente swingado e hedonista da criança (sim, naquele balançar ao sabor do estalo dos dedos em contratempo), mas faz ainda com que funcione como um elemento unificador, beneficiando a coerência interna da obra.
Aqui também está de parabéns o compositor, na síntese que operou entre aquele blues-like que recorre amiúde e a sua própria mundividência musical, esta de um cariz melancólico bem português, arriscaria dizer.
É uma bela partitura, esta.
Eurico Carrapatoso, 23.vi.2009
Introdução
Foi com bastante agrado que, nos finais do ano de 2007, recebi um convite da minha amiga Ana Isabel Pereira para escrever uma série de canções para crianças. Estas canções tinham como finalidade serem apresentadas num concerto pelo coro infantil e juvenil “Os Rouxinóis” (Cacém), onde a Ana era a maestrina responsável.
Em Janeiro de 2008 recebi então uma selecção de poemas de autores lusófonos, sobre animais, e comecei a trabalhar intensivamente naqueles que me pareceram mais propícios a serem musicados. Tinha apenas um mês para cumprir a tarefa entre aulas e concertos… Felizmente, consegui acabar tudo a tempo.
O facto de trabalhar com crianças há alguns anos no contexto da disciplina de Iniciação Musical permitiu-me introduzir, em muitas destas canções, motivos rítmicos e melódicos desafiantes, procurando sempre aproximar ao máximo a música do espírito e sentido do texto. Esta foi uma das minhas principais preocupações na composição das canções, bem como no tratamento das texturas de acompanhamento e harmonias. Cada acompanhamento (de piano) é apenas uma sugestão, de modo a que se perceba o carácter de cada canção. Ele está feito também de forma a apoiar o canto, contendo na maior parte das vezes a duplicação da linha melódica da voz. Esta linha pode ser, eventualmente, retirada desde que a harmonia seja garantida.
Cabe a cada um dos professores a tarefa mágica de utilizar cada canção de forma lúdica e didáctica para que consigam retirar dela(s) o maior partido. Sugiro como estratégia pedagógica a representação teatral da canção “A Cabreira” e a invenção de gestos em algumas das canções, nomeadamente os “Gatos” e “O Caracol”.
Espero muito em breve gravar um CD com estas canções, de modo a divulgá-las mais facilmente junto daqueles que não sabem ler música e que, sem dúvida, também as podem cantar!
Dedicatória
Gostaria de dedicar este cancioneiro aos meus pais e irmão, que sempre me incentivaram na vida musical. Ao meu mestre e compositor Eurico Carrapatoso. À Ana Isabel Pereira, ao coro infantil e juvenil “Os Rouxinóis”, a todos os meus alunos de Iniciação Musical. E à Carolina.
Borboletas
O Caracol
Gatos