Os Quartetos de Joly, datados, respectivamente, de 1945 e de 1957, pertencem à sua 1.ª fase criativa, na qual predomina uma linguagem melódica, harmónica e contrapontística de feição modal, genericamente enquadrável na estética neoclássica europeia.
O ‘Quarteto n.º 1’ estreia a 28 de Fevereiro de 1946, na Academia de Amadores de Música (Lisboa), em recital *4 incluído na série de concertos da Sociedade Sonata *5. Dedicatário da obra foi o seu professor e mentor Luís de Freitas Branco. Intérpretes na estreia foram Ilídio Gomes e João Nogueira (violinos), Fausto Caldeira (viola) e Carlos de Figueiredo (violoncelo), todos eles elementos da Orquestra Sinfónica Nacional. Trata-se de uma obra de considerável envergadura, estruturada em 4 andamentos, com uma duração vizinha dos 36 minutos. A tonalidade (indicativa) é ré modal (logo, com tríade menor).
O ‘Allegro moderato’ (203 compassos) é uma forma-sonata modificada. O 1.º tema (no violino1) é uma longa cantilena de 27 compassos, ao passo que o 2.º tem carácter eminentemente rítmico. No lugar do Desenvolvimento, há uma secção central (embora o seu material provenha da Exposição) com duas subsecções muito contrastantes: um ‘Calmo’ dominado por um solo de viola e um ‘Tempo I’ de escrita maciça e de rítmica motórica (assente em padrões). Vem então a Recapitulação, regular, que na transição para a Coda assume uma sonoridade bartokiana.
O ‘Allegro con fuoco’ (353 compassos) tem forma tripartida, com a característica de a parte B – que chamaremos de ‘BC’ – ser bastante maior que a A. Esta define-se pela irregularidade métrica e pela escrita estritamente paralela (em uníssono ou harmónica) dos 4 instrumentos. Por contraste, a secção BC é extremamente regular métrica e ritmicamente: B diferencia-se pela textura de melodia acompanhada (solo de violino1, em ré) e C caracteriza-se pela textura aditiva e, depois, homofónica. O regresso de A faz-se ‘ipsis verbis’, mas mais tarde vem a incluir uma ideia vinda da secção C (a textura aditiva), para terminar na métrica irregular que lhe é característica.
O andamento lento (240 compassos), também de estrutura tripartida, põe em evidência cada um dos instrumentos com solos, sendo que as secções ‘cantabile’ são sempre intercaladas por outras, paralelas, homofónicas e mais ‘planas’. A parte A tem dois temas: o 1.º no violino1, lírico e planante, sobre ondulação de sextinas de semicolcheias; e o 2.º no violino2 (depois, no violino1) de um lirismo generoso e mais “terreno”. Vem então a parte B (‘Lento’) com um tema apresentado primeiramente a solo na violeta, com balanço de ‘Siciliano’, tratado depois em melodia acompanhada e em contraponto. Esse tema é intercalado pelas referidas secções ‘planas’, que aqui adquirem um carácter ominoso. Regressa a parte A, com o tema 2 abreviado. A Coda é feita de reminiscências (tema ‘Siciliano’) e de regressos (tema 2, homofónico), até tudo se dissolver em valores longos.
O vasto ‘Allegro molto energico ed appassionato’ (403 compassos) conclusivo é formalmente o andamento mais original deste Quarteto: ele funde perfeitamente a forma-sonata e a Rondó e introduz em ambas elementos da forma-variação. Há 3 temas principais, mas no 2.º e no 3.º há células rítmicas que se irão “desprender” e adquirir papel autónomo de relevo no decurso do andamento. Há ainda uma secção de entradas em cânon (explorando vários modos de execução) que funciona como separador formal ao longo de todo o andamento. A secção final (‘Andante’, depois ‘Pesante’ e por fim ‘Meno mosso’), embora preparada e com antecedentes em certos momentos do 3.º and., soa como um mundo à parte. São apenas 76 compassos, mas dado o ‘tempo’, ela acaba por ocupar mais de 2/5 da duração total do andamento, deixando uma impressão muito forte no ouvinte. Olhando para o ano em que foi escrito o Quarteto, quem sabe se Joly não quis evocar aqui, em tom elegíaco, a morte e destruição da II Guerra Mundial?...
Bernardo Mariano