Notas de Programa
As “Quatro Peças para Cravo” escritas por Lopes Graça em 1971, em intenção da cravista Maria Malafaia, encerram em si mesmas o paradigma de uma época em que a literatura contemporânea para este instrumento ainda se pautava pela utilização de uma codificação muito pianística.
Na realidade, apesar do renascimento do gosto e curiosidade pelo cravo remontar aos primeiros decénios do séc. XX, quando a polaca Wanda Landowska fazia, em Paris, as delícias dos seus amigos compositores, como Poulenc, Falla ou Martinü, a verdade é que, em muitos casos, a notação assumida incluía sinalética muito pouco própria deste.
Mesmo assumindo que o modelo de cravo utilizado era o concebido por Pleyel para Landowska, que incluía um set de pedais que permitiam a mudança rápida de registos sem ter que levantar as mãos dos teclados, certas indicações como “crescendos” ou “diminuendos”, entre outras, não passariam nunca de “letra morta” no âmbito da execução prática.
Tendo o nosso Conservatório Nacional adquirido dois instrumentos destes, onde Malafaia ensinou e onde eu mesma comecei a minha aprendizagem no cravo, terá sido eventualmente este o modelo que serviu de inspiração a Lopes Graça, pelas indicações que surgem aqui e ali de mudanças abruptas em andamentos rápidos para o registo de 4’, muito embora, insistimos, a excessiva indicação de dinâmicas resulte, em muitos casos, i útil, mesmo no contexto do modelo Pleyel.
Porém, pelo valor histórico que encontramos na obra do Graça, incontornável no percurso que a abordagem ao cravo transcorreu ao longo do séc. XX, pensámos importante manter integralmente toda a notação original do compositor, mesmo conscientes das adaptações incontornáveis que cada performer deverá assumir ao executar a mesma, o que não deixa de ser um convite aliciante e estimulante que muito enriquece o intérprete.
Jenny Silvestre