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Conto narrado infantil para narrador e 18 instrumentistas (Coro Infantil ad lib.)
Sobre o conto homónimo de Luís Sepúlveda.
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http://www.youtube.com/watch?v=p3qcHEQU3A0
http://www.youtube.com/watch?v=aB1ISBLw16o
http://www.youtube.com/watch?v=POupS7LbsYY
Notas de Programa Sobre
História de uma Gaivota e do Gato que um ensinou a voar
Em finais de 2007 a Academia de Música de Viana do Castelo, no âmbito do projecto “Contos com Música”, encomendou-me um conto musical, para narrador e ensemble instrumental. O tema era livre, mas deveria ser usada uma obra literária de um autor sul-americano. Não foi preciso muito para me lembrar de Luis Sepúlveda e desta História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar, conhecida e amada em todo o mundo, e que em Portugal faz inclusivamente parte do Plano Nacional de Leitura.
Escolhida a história a musicar, fiquei com um problema entre mãos: o conto, que eu próprio traduzi a partir do original castelhano, tinha 122 páginas, e impunha-se uma redução drástica. Procurando ser o mais possível fiel ao original (inseri e modifiquei somente pequeníssimos detalhes), mantive a estrutura em duas partes e a sucessão e nome dos capítulos, e retirei apenas as situações ou divagações literárias que, essenciais ao conto na sua forma literária, eram escusadas na forma condensada do conto musical narrado. O essencial da mensagem e do carácter dos diferentes personagens, bem como as principais situações que os definem e contextualizam, foi mantido, sem que, assim o creio, a beleza e poesia do original tenham sido demasiado sacrificadas. Ainda assim, uma dimensão temporal de ca. 45’ foi necessária para que esta versão não resvalasse para a banalidade ou magreza de tantas adaptações literárias destinadas aos jovens, nomeadamente as adaptações televisivas e fílmicas.
Assim, a filosofia do conto de Sepúlveda, este hino à amizade, à coragem, lealdade e integridade, na forma de uma relação de protecção entre animais que, na vida real, são opostos (posso – eu, que tenho gatos – adivinhar o que fariam eles a uma pobre gaivota caída lá em casa…mas os gatos de Sepúlveda são uma alegoria dos humanos e daquilo que a razão pode conquistar quando sobreposta aos instintos primários, “animais”, dos homens), utopia de vida que se combina com a preocupação ecológica (a maré negra que mata Kingah) e o elogio da capacidade da poesia para mudar o mundo (o Poeta, que ajuda os animais através de um outro poeta, Bernardo Atxaga, e o próprio poeta criador destes – o Deus ex-machina – Luís Sepúlveda) é mantida na minha adaptação.
Do ponto de vista do meu trabalho, e mantendo-me fiel às minhas ideias sobre o que devem ser as obras para crianças, fugi a qualquer tom didáctico na transmissão das ideias de Sepúlveda, tom que nem sempre está ausente do original, como será de esperar numa obra extensa como é este conto. A música ora segue as peripécias, quase de maneira cinematográfica, ora cria a ambiência poética adequada à situação dramática. Uma das questões que me interessou, isto no âmbito dos aspectos mais didácticos que uma adaptação musical poderia criar, foi explorar os instrumentos em toda a sua potencialidade, nomeadamente a percussão, que conta com inúmeros instrumentos menos habituais (flexatone, serrote, ocean drum, máquina de vento, sirene de alarme, etc), instrumentos étnicos (chascas, ching-chok, cegarrega, gongs de ópera chineses, sarronca, saron peking, etc), e até brinquedos e outros objectos do dia a dia para produzir sons inusitados (balões, despertador mecânico, latas de lixo de metal, caixinhas de música, apito de futebol, etc). Para os restantes instrumentos, técnicas tradicionais convivem com técnicas modernas e contemporâneas (harmónicos, glissandi, tocar com plectros ou o uso apenas das palhetas, etc).
Outras das características desta obra é a citação, pouco comum em obras destinadas à infância (devido à expectativa cultural que tais citações pressupõem por parte do público), e o uso de diferentes estilos de música, por vezes opostos, que, em parte, têm que ver com esta abordagem da colagem musical: do jazz e do fox-trot à tarantela siciliana, do rock à música improvisada, da paródia de Mahler e Prokofiev, a música deste conto parece provir toda ela do Bazar de Harry, onde grande parte da acção se passa.
No entanto, a maior parte das citações é falsa, ou seja, estes estilos são recreados sem recurso a temas originais. As verdadeiras citações são apenas sete, aparecem muito brevemente e são, em geral, bastante evidentes: o Concerto para Violino de Beethoven, o galope da abertura do Guilherme Tell de Rossini, a marcha patriótica Britannia Rules the Waves, de Thomas Arne, e A Marselhesa de Rouget de L’Isle, o refrão do tema Come on baby, light my fire dos Doors, a valsa Sobre las Olas do mexicano Juvencito Rosas, e, “last but not least”, o início do tema do gato, de Pedro e o Lobo, de Sergei Prokofiev. Este é o único motivo não original que é usado quase que como um “tema para variações”, ao aparecer com alguma frequência associado a Zorbas, mas, sendo este um gato grande e gordo, dado na maior parte das vezes ao clarinete baixo e ao contrafagote. Evidentemente também, a escolha destas citações não foi exclusivamente musical, mas igualmente simbólica (a relação com o mar, com o amor, com a amizade, com a força de espírito, com o contexto físico dos personagens, etc.).
Para além destes motivos, é usado um CD que contém duas faixas. O som do mar e das gaivotas sobre as falésias, uma gravação feita no local, e a maravilhosa versão de Connee Boswell da célebre canção dos anos trinta Heart & Soul são sobrepostos à música do ensemble em diversas ocasiões, criando um efeito de textura mais associado a alguma música de vanguarda do que a peças destinadas a crianças.
Afastei-me também do didactismo de Pedro e o Lobo no que se refere a instrumentos e temas, evitando dar a cada personagem um tema específico e demasiado simples, e um instrumento único para o tocar, se bem que não tenha evitado essa possibilidade por completo: o clarinete está claramente associado aos gatos (o clarinete baixo em particular a Zorbas, e o clarinete piccolo aos gatos vadios e a Sabetudo, a que se juntam, respectivamente, o contrafagote e o fagote), o corne inglês à moribunda gaivota Kingah e à sua memória, a flauta piccolo a Afortunada, e por aí fora. Sabetudo tem a sua sabedoria pedante exposta na forma de um fagote rococó (com trilo e tudo) no registo agudo e numa escrita próxima das ambiências de música de câmara nos andamentos lentos das últimas sinfonias de Mahler, Bubulina a sua sensualidade felina na forma de um jazz estridente e compassado, e Colonello, o gato do restaurante italiano, a sua origem geográfica na forma de uma rápida tarantella dada às cordas.
O mar é também evocado de muitas maneiras ao longo da peça, (umas mais onomatopeicas que outras) e o Poeta, que contém em si mesmo três outros poetas (um ficional, ele mesmo, e dois reais: Bernardo Atxaga e o próprio Sepúlveda), é acompanhado por uma valsa melancólica e lenta, sonhadoramente poética e estranhamente ausente e distante.
Finalmente, a História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar é dedicada à Joana Raposo, que ilustrou a partitura com os seus desenhos maravilhosamente singelos e poéticos, e tem sido a inspiração para a composição de quase todas as minhas peças infantis, e não posso deixar de fazer uma menção especial à professora Sandra Barroso e ao seu marido, o guitarrista André Grosz. Para além da Sandra me ter ajudado na redução do conto a um tamanho musicalmente manejável, ambos tiveram a paciência de ouvir desde o início os excertos que lhes ia enviando, e me apoiaram com a sua crítica construtiva.
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