Durante a I Grande Guerra, três importantes batalhas ocorreram no período de 1914 a 1917 entre forças aliadas e alemãs perto de Ypres, uma cidade belga na Flandres, 40 km a sul de Ostende. Em qualquer uma das batalhas nenhuma das forças envolvidas conseguiu fazer grandes progressos, apesar de as baixas terem sido imensas, em especial durante a terceira batalha, que ficou para a História como uma enorme e inútil perda de vidas humanas. A Terceira Batalha de Ypres, também conhecida como Batalha de Passchendaele teve lugar na Frente Ocidental, entre junho e novembro de 1917, e o seu objetivo era controlar as zonas a sul e leste da cidade belga de Ypres.
Passchendaele fica situada na última colina a leste de Ypres, a 8 km de um entroncamento ferroviário em Roulers, uma parte vital do sistema de abastecimentos do Quarto Exército alemão.
Uma ofensiva inglesa, que tinha por objetivo assegurar a posse dos portos de Dunquerque e Ostende, enfrenta uma ofensiva alemã destinada a conquistar os mesmos portos. Passchendaele custou meio milhão de vidas nos seus três meses. Os alemães perderam aproximadamente 250.000 homens e os britânicos 300.000, dos quais 36.500 eram australianos. 90.000 corpos ingleses ou australianos nunca foram identificados, 42.000 corpos desmembrados ou submersos na lama mortal, nunca foram recuperados.
Certamente Passchendaele resume a extraordinária bravura dos combatentes que tentaram o que era obviamente impossível, mas através de esforços sobre-humanos conseguiram cumprir com seus objetivos. Nunca estes esforços deverão ser minimizados ou esquecidos.
Esta obra pretende reportar-se aos espíritos dos povos inocentes que sofreram horrores na cidade de Ypres, na flamejante caminhada do desespero.
No primeiro andamento, Moderato Risoluto (1’38), ouvem-se os primeiros tiros das espingardas e o som das bombas a sobrevoarem Passchendaele e as pessoas dilaceradas numa luta sobre-humana e na procura de aliviar, o quanto possível, o sofrimento nos seus lares. Os sons mordazes e horripilantes da guerra não param, e, os mais velhos, buscam nas suas entranhas alguma força anímica para encorajar as crianças que, assustadas, nada entendem sobre o que se passa. Há momentos em que se ouvem as pessoas desnorteadas e apavoradas a fugirem, e há outros em que famílias recônditas e em diálogos sufocados, montam estratégias de fuga da cidade de Ypres, que nunca se sabe se resultarão em sobrevivência ou morte.
No segundo andamento, Adágio, (1’09) num curto momento de tréguas, sobrepujando a dor humana numa tentativa de trazer esperança ao lar, ouvem-se jovens mães de Passchendaele a cantarolar velhas canções, com os seus bebés ao colo.
No terceiro Andamento, Larghetto, (2’10), um jovem soldado em plena guerra encontra-se na trincheira da linha da frente, atolado na lama e rodeado de cadáveres, completamente esgotado pelo cansaço, pelo desânimo e pelo medo. Adormece e sonha que está numa guerra onde não há mortos nem feridos, mas sim um ambiente cosmopolita onde se cruzam as mais diversas culturas. Então, faz um grande esforço para se entrosar no multiculturalismo ali presente, mas os rastos de fumo deixados pelos morteiros e granadas que acabam de proporcionar um momento de grande espectacularidade com um fogo-de-artifício deslumbrante, não o deixam jubilar-se. Ao cabo de alguns momentos vislumbra a presença oriental dissimulada. À sua frente, por entre as metralhadoras e morteiros, enxerga um grupo de bailarinas, jovens raparigas muito bonitas que o deixam completamente enfeitiçado. Jovens orientais ensinam uma dança às jovens de Passchendaele. A jovem mais bonita convida-o para a dança. Ele tenta subir uma escadaria, mas não tem força. Afinal, já acordado, depara consigo a tentar sair da lama que o cobre até à cintura. Fica completamente estupefacto, pois mantem os movimentos com o ritmo de dança que aprendeu no seu sonho.
No quarto andamento, Largo, (0’51) as pessoas de Passchendaele, silenciosamente, choram a morte de seus familiares e amigos. É um momento trágico, vão a sepultar algumas vítimas civis do povoado.
No quinto andamento, Moderato, (1’55) já pululava no seio das tropas o sentimento antiguerra. Os soldados feridos, em convalescença, em linhas de retaguarda, reflectem sobre o momento da sua submissão voluntária à conscrição, sobre a guerra e os seus objectivos muito mal entendidos e aceites, sobre os perversos incentivos recebidos pelos oficiais para a batalha e os momentos em que, alucinados, se esqueciam que as bombas granadas e tiros eram mesmo para matar.
O sexto andamento, Allegro, (1’24) (reexposição e variação do 1.º andamento), reflecte a última batalha em Passchendaele. As pessoas mais angustiadas, mas ao mesmo tempo mais determinadas, ouvem novamente os sons horrendos da batalha, e, os mais velhos, muito causticados e endurecidos pela guerra, já não brincam com as crianças. Há momentos em que se voltam a ouvir as pessoas apavoradas a fugirem num total desnorte e há outros em que famílias desesperadas se manifestam na cidade de Ypres pedindo o fim das hostilidades. Este acaba por surgir no som do remanescente fogo de barragem e de uma última rajada. Eis que surge em Passchendaele o espectro da bonança.
António JL Ribeiro