Fevereiro 2020. Começam os tempos mais tumultuosos e exigentes das nossas vidas. O mundo fecha-se sobre si mesmo, reina o medo, a insegurança e a pandemia não nos permite adivinhar o dia de amanhã. Enquanto me preparava para o primeiro confinamento e organizava toda a complexa gestão familiar e profissional, recebo uma inesperada mensagem. Bruno Belthoise endereçava-me o mais belo convite que poderia receber nesta fase tão sombria: escrever um concerto para piano e orquestra no âmbito da Temporada Cruzada. “Evoca Ravel”; foi o seu pedido.
A escrita do concerto iniciou-se em maio de 2020, durante o primeiro confinamento e evocar Maurice Ravel, um dos maiores mestres da orquestração, só poderia ser, no meu entender, através da profundeza das suas melodias a par com a densidade orquestral. Não procurei recriar as sonoridades de Ravel. Deixei-me inspirar pela sua obra e pela sua história.
O processo de criação foi lento e diversas vezes interrompido pela situação pandémica, invasiva e inquietante. Contudo, em janeiro de 2021, precisamente a meio da escrita do concerto, a minha família é atingida por uma tragédia extraordinariamente dolorosa. O meu primo Guillaume, de quem sou muito próxima desde a minha infância, falece em Rueil Malmaison (França) aos 49 anos. Ainda tive tempo de viajar de Lisboa para o ver com vida e ele partiu, no dia seguinte à minha chegada, enquanto lhe segurava a mão. Não foi emocionalmente possível não transpor para a partitura todas as emoções sentidas e vividas nesse dia 15 e a partir do segundo andamento do concerto, cada compasso passou a ser um reflexo do Guillaume, a quem dediquei a obra.
O Concerto para Piano e Orquestra op.78 é marcado por fortes sentimentos antagónicos e uma intensa luta interior na procura do significado da vida, da morte e do amor.