Algumas notas soltas
Plural X pertence a um ciclo já considerável de duos instrumentais, compostos para um instrumento melódico e outro harmónico (o piano, na maioria das peças). As excepções são Plural IV (soprano e cordas) e Plural VIII (violoncelo e guitarra). Algumas das peças, entretanto, e por razões diversas, tomaram outros títulos: As cinco portas do labirinto (contrabaixo e piano) e Embalos e sonhos (flauta, violoncelo e piano), peça que é uma revisão recente de Plural VI (originalmente para violoncelo e piano).
Esta é uma peça de câmara, com o protagonismo razoavelmente distribuído entre os dois instrumentos. O piano não é apenas um mero acompanhador.
Tem uma duração aproximada de 13 minutos, e foi pensada como um gesto global, definido por uma sequência encadeada de secções mais pequenas, de carácter relativamente contrastante.
A minutagem aproximada de cada secção conduz a uma concepção cada vez mais alargada (2, 3 e 5 minutos), funcionando a última e mais precipitada (3 minutos) como uma espécie de condensação e aceleração do movimento.
Podemos dividir a peça em três momentos principais:
1.a. uma espécie de recitativo, protagonizado pelo fagote, conquistando altura e presença a cada nova frase, com o piano muito discreto, reforçando ou sublinhando uma ou outra nota do fagote. O fraseado e as dinâmicas estão em plano de destaque.
1.b. súbito movimento rápido, em jeito de ostinato, introduzido pelo piano. No centro do discurso musical estão agora o ritmo, o movimento, a harmonia. O ostinato desemboca em espaços mais abertos, feitos de acordes e notas mais sustentadas, caminhando a pouco e pouco para espaços de maior densidade, através diversos jogos de escalas. Este momento completa o sentido – por oposição – da parte inicial da peça.
2.a. Sucede-se uma espécie de andamento lento, em duas etapas. Na primeira (quase uma passacaglia) uma larga melodia do fagote vai-se renovando a cada nova volta, caminhando para uma maior densidade e consistência. O piano reproduz mecanicamente o mesmo acorde repetido, num ambiente geral predominantemente estático.
2.b. Uma secção mais breve e progressivamente mais intensa e agitada conduz a peça para uma nova secção de melodia acompanhada, cantada pelo fagote, seguida de alguns traços de variação livre, concluídos com a melodia no registo agudo do piano, sobre uma longa pedal do fagote.
3. A secção final, anunciada pela mudança de compasso, tem um carácter muito mais vivo, em grande contraste com toda a parte anterior. No centro de tudo volta a estar o ritmo, o jogo métrico, os acentos, a dinâmica. O principal elemento propulsor é agora inevitavelmente o piano, por força do carácter percussivo da escrita.
A linguagem é de carácter eminentemente modal, tanto no plano melódico como harmónico. Sem prejuízo de alguns agregados mais complexos, a escrita privilegia uma sonoridade aberta e plural, onde poderemos encontrar elementos das proveniências mais díspares, de diversas formas compatibilizados e relacionados. Não existe qualquer preocupação em estabelecer centros, pólos de atracção ou tónicas. Nem sequer há modos de referência. A escrita é livre, subordinando a utilização dos diversos recursos a uma dada intenção expressiva, seja a orientação de um gesto, seja a definição de um estado, ou a criação de um ambiente.