O Quarteto n.º 2, em lá m, op. 27 provém do início do período-charneira na carreira de Joly, isto é, os quatro anos (com interregnos) que passou em Itália *6. Na opinião do musicólogo João de Freitas Branco, estamos perante “a obra de maior fôlego da 1.ª fase criativa do compositor”. Foi escrito em Milão, nos meses finais de 1957, e dedicado à sua mulher *7. Se o ‘Quarteto n.º 1’ antecedera em pouco a sua 1.ª Sinfonia, a escrita deste coincide com a de outra importante criação: a ópera ‘Mérope’ *8.
Face ao seu “irmão mais velho”, este 2.º Quarteto é uma obra claramente mais depurada, mais concisa (668 compassos, face aos 1199 do Quarteto n.º 1) e menos subjectiva. Ela emprega o procedimento cíclico (o tema do ‘Largo’ inicial, que regressa nos restantes andamentos) e em termos de linguagem há uma amplificação dos recursos face ao 1.º Quarteto, pois aqui o modalismo já é conjugado com princípios pentatónicos, com o cromatismo, com oposições tritonais e com a harmonia baseada no ciclo das 5as. (quer nas relações verticais, quer nas horizontais).
A estreia do Quarteto n.º 2 sobreveio apenas a 16 de Dezembro de 1986, no Salão Nobre do Teatro Nacional de São Carlos, pelo Quarteto Capela *9.
O 1.º andamento tem um ‘Largo’ inicial, escrito como um grande arco de polifonia instrumental *10 e terminando num solo de viola. Esse tema irá recorrer ao longo da
obra. Encadeia com um ‘Allegro moderato’ estruturado em forma-sonata sem Desenvolvimento, com dois temas: o 1.º, nos violinos, na textura de melodia acompanhada, em dois segmentos, com uma passagem em ‘pizzicato’ a separá-lo do 2.º tema, de carácter rítmico (violeta e violoncelo, depois violinos). Uma transição liderada pelo violino1 tem alguma afinidade com a melodia do ‘Largo’ e encadeia com a Reexposição, em que o tema 2 aparece abreviado. Uma breve e concisa Coda conclui.
O 2.º andamento é um políptico em cinco secções: o ‘Adagio molto’ inicial põe o violoncelo em destaque, seguindo-se um ‘Andante con moto’ de carácter rústico, com os violinos a conduzir. Novo ‘Adagio’ traz uma nova textura: sobre um ondulado de fusas, violino1 e violoncelo (sempre no registo mais agudo) elevam um canto rico em cromatismos, depois ‘temperados’ com inflexões mais modais. Na secção seguinte, sobre ‘pizzicati’ do violoncelo, os restantes instrumentos “desenovelam” um tema claramente derivado do tema do ‘Largo’ do 1.º and.. Regresso do rústico a concluir, ainda mais acentuado no carácter e nos ‘ostinati’, executando um arco dinâmico que termina ‘ppp’, com o violino1 em harmónicos.
O tema-condutor regressa na Introdução (‘Largo’) do 3.º andamento, agora conduzido pelo violino1, o qual, sobre ondulado de violino2/viola e ‘pizz’ do violoncelo, lhe há-de dar feição mais lírica. O endiabrado tema do ‘Allegro molto vivace’ que encadeia não podia chocar mais: eis aqui o mundo das danças campesinas bartokianas! Com ele irá por sua vez contrastar um tema mais calmo (‘Meno’), de melodismo e rítmica mais portuguesa (no violino1, depois violeta e violoncelo), não sem aspectos de dança. Este par contrastante regressa, mas com a 2.ª secção (‘Più tranquillo’) ainda mais lisa e lírica, com o ritmo de dança portuguesa a surgir apenas em fundo. O regresso do ‘Allegro’ bartokiano faz-se em gradação aumentativa de intensidade, culminando na Coda (‘Presto’) e precipitando-se no final.
Bernardo Mariano