Sobre “Quatro Meditações Sobre Natália de Andrade”.
Falei inicialmente com Carlos Pereira sobre o tom geral do filme e os momentos que seriam a sua estrutura. Percebi que o dilema narcisístico da personagem e do Artista era um dos seus mais antigos interesses. Era, por esse e muitos outros motivos, o parceiro criativo ideal.
O tema can-can dissonante que lança o filme é o perfeito comentário irónico ao burlesco do contexto. Irónico porque é no filme associado ao culto gerado e nunca à própria Natália de Andrade. No segundo tema procurava um onirismo desencantado, um certo matiz agridoce que correspondesse coerentemente aos sentimentos contraditórios pelo filme evocados. O resultado superou as melhores expectativas! Estamos sempre entre a poesia e a crueza, entre o sublime e a tristeza, entre a culpa e a redenção - no filme como na música de Carlos Pereira.
Foi a colaboração perfeita!
João Gomes, Realizador
Pode dizer-se que na origem do documentário “Natália, a Diva tragicómica” esteve Carlos Pereira, que foi quem me transmitiu o fascínio que tinha sobre esta personagem única que, rezava a lenda a circular no mundo musical, teria gasto tudo o que tinha nesta sua particular sua carreira artística. Foi esta primeira pista biográfica e a mensagem de uma mulher que perseverou, apesar de um meio que lhe era adverso, que me fez começar por querer saber mais sobre Natália Barbosa de Andrade até não conseguir ir mais longe. Percorrido o caminho de pesquisa, fez então sentido que Carlos Pereira, mais do que ninguém, fosse o autor da banda sonora que veicularia o espírito do filme e que iria pautar cada uma das suas fases de evolução, desde o lado onírico de uma Natália com uma infância infeliz, ao ambiente quase circense onde fazia o papel de bobo da corte, até ao mundo de evasão onde escolheu viver mergulhada até ao fim da sua vida - todas estas nuances se escutam no documentário. O casamento harmonioso entre música, texto e imagens torna perceptível o que era evidente desde o início, que mais do que entrevistado e autor da banda sonora, Carlos Pereira foi também autor e parceiro espiritual deste projecto.
Catarina Gomes
Jornalista do Publico, autora do projecto “Natália, a Diva Tragicómica”
As quatro peças referem questões que considero pertinentes e que são abordadas no documentário “Natália - A Diva Tragicómica” do realizador João Gomes.
A primeira peça “Ilusão” Refere-se ao estado de espírito em que esta cantora parecia viver, acreditando ser admirada e possuidora de uma voz rara. É uma peça suave despretensiosa e calma, tal como a própria ilusão o é.
Em “As Festas e as Homenagens” é feito um pequeno retrato daquilo que acredito ter sido o aproveitamento abusivo da fragilidade desta senhora. Também o lado humano dos sentimentos mais íntimos da cantora e que nunca saberemos exactamente quais foram em relação à atitude dos que fingiam admirá-la.
“Uma nota sempre ao lado” aborda o modo de Fá como um desvio de padrão em relação ao modo de Dó. Todos nós, os músicos, sabemos que o modo de Fá é em tudo igual ao modo de Dó menos numa nota, e isso muda tudo claro. No entanto o modo de fá apesar de ser um desvio de padrão não é considerado uma desafinação… A pergunta impõe-se, até que ponto é lícito ridicularizar ou até mesmo negar um desvio de padrão?
A última peça tenta representar o que Natália de Andrade fazia constantemente, na tentativa de se aproximar de um padrão: ela deformava-o. “A Morte de um Cisne Transfigurado” é uma peça que deturpa o famoso “Cisne” do Carnaval dos Animais de Camille Saint-Saëns. Apenas uma ou duas notas são alteradas em pontos-chave da harmonia ou da melodia tornando impossível ouvir ou sentir a beleza do original. No entanto a estrutura mantem-se inalterada, o “Cisne” continua perceptível.
Observe os seus sentimentos ao ouvir ou tocar esta peça e questione-se sobre a legitimidade, a origem e o porquê dos mesmos, se fizer isto estas peças terão cumprido largamente o seu objectivo.
Carlos Pereira