Esta edição insere-se no esforço da AvA Musical Editions em publicar todas as aberturas de obras dramáticas profanas de Jerónimo Francisco de Lima. Esta foi a única abertura de Lima que já antes desta iniciativa existia publicada, pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 1973, à qual se agradece pela autorização de republicação. A presente edição transcreve a sua única fonte primária: a partitura manuscrita que está na Biblioteca da Ajuda (48-II-2), à qual igualmente se agradece vivamente pela autorização de publicação.
Segundo o libreto, Le Nozze d’Ercole, et d’Ebe foi escrito 'Per i lietissimi, e faustissimi sponzali dell'Augusta Infanta di Spagna D. Carlota di Borbon coll'Infante Augusto di Portogallo D. Giovanni : e dell'Augusta Infanta di Portogallo D. Marianna Victoria coll'Augusto Infante di Spagna D. Gabriel Antonio di Borbon'. Este duplo casamento constituiu um dado diplomático importante para as relações entre Portugal e Espanha, comemorado em Lisboa com uma enorme festa, na casa que actualmente possui a Embaixada de Espanha, na Praça de Espanha, onde consta que o baile que se terá seguido à audição da obra de Jerónimo Francisco de Lima, começado à uma, não terá acabado antes das 7 da manhã!
A sumptuosidade da ocasião levou Lima a usar uma orquestração que não é frequente na sua obra, com três pares de madeiras, tanto envolvidos em processos imitativos, como a formar timbres mistos, além de clarins e trompas, cordas e continuo. O exemplo mais próximo desta opulência, na produção de Lima, será certamente o número final de Teseo, na mesma tonalidade, sendo que o uso obligato do fagote, no segundo andamento de Le Nozze, também está presente no segundo da abertura de Teseo (publicação AvA 983583), ainda que aí contando com um único instrumento. A ascensão, quanto ao papel desempenhado, de fagotes e de flautas – em alguns casos, em detrimento da anterior hegemonia do oboé – é uma característica geral do repertório operático das duas últimas décadas do século XVIII. Não será eventualmente uma casualidade que cada flauta tenha o seu próprio pentagrama, enquanto ambos os oboés partilhem o mesmo, sendo que, nos uníssonos, a indicação é sempre para que os oboés toquem Con Le Flautti, e nunca, que as flautas toquem com os oboés.
A escrita de ligaduras é, no caso deste manuscrito, extremamente difícil de reconhecer e, muitas vezes, claramente heterogénea em uníssonos ou oitavas, sendo pouco provável que estas diferenças sejam propositadas. Não obstante, nesta edição foram sempre mantidas as originais, sendo acrescentadas propostas editoriais que visam homogeneizar as próprias indicações de Lima (ou do seu copista), assinaladas entre parênteses rectos. De forma semelhante, a diferença entre ponto de staccato, traço vertical ou cunha não se deixou sempre reconhecer com clareza, sendo este um aspecto obscuro da transcrição, em que o intérprete não se deve basear cegamente. Nesta transcrição não se regularizou o uso pouco consistente das indicações ‘Solo’ e ‘Soli’, nas partes dos sopros, transcrevendo-as exactamente como se encontram no manuscrito.
As trompas, num caso único para a obra de Lima, estão notadas segundo um estranho sistema, para os nossos actuais hábitos: a armação de clave corresponde à sua transposição, mas as notas não estão transpostas, devendo ser ouvidas, como sempre acontece quando este instrumento, na obra de Lima, está notado em clave de fá, 8ª acima da altura que vemos escrita.
Nesta fonte são usados nomenclatura e abreviaturas que não aparecem em nenhuma sua outra ópera. O manuscrito contém, ao contrário do que se passa em todas as outras fontes da música de Lima, além de muitíssimas incongruências de articulação e de dinâmica, obrigando a uma vasta intervenção editorial, sempre devidamente assinalada, bastantes erros de notas: